quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pobre do Guma

Guma sempre foi um cachorro valente, nunca se assustou com o tamanho dos outros cachorros. Ganhou um apelido até certo ponto pejorativo, mas também, o que fazer se ele foi educado para ser assim. Guma era chamado de "mau elemento".

O Bolinha, que vinha ser irmão do Guma por parte de mãe, nutria por ele um carinho à distância, tanto que ontem, quando a noite estava escura, a lua não iluminava mais as folhas murchas das árvores, o encontrei chorando pelos cantos do pátio a falta do irmão.


Coisas do amor!


Quem estava com a morte predestinada na verdade era o Bolinha e dada a esta situação, tratei de encontrar uma companheira para que ele procriasse e deixasse no mundo filhotes que mais tarde viriam a ser tais quais ao pai.


Procurei em sites de relacionamentos canino. Procurei nos anúncios de jornais. Fui às Agropecuárias e perguntei se sabiam quem tivesse uma "cachorrinha", de preferência que fosse de uma pelagem  parecida com a do Bolinha, que é um dourado, uma cor fulva.


Encontrei a Melina, uma bela cadelinha meiga e carinhosa.

Logo ao chegar, chamou atenção dos dois vira-latas da casa. O Bolinha se valendo da posição de chefe da matilha foi se aproximando da fêmea como quem não queria nada. Em nenhum momento demonstrou uma atitude abertamente agressiva para com o caçula que se  mantinha distante, sem perder de vista aquela loirinha com olhos de cobiça, pois ele sempre sonhou em ter para si uma companheira daquele porte e estilo.

Estilo elegante. Esbelta era como se apresentava Melina neste primeiro momento, tanto que logo acedeu a chama do amor canino e do desejo carnal em todos os cães do Cantegril. O cão Preto do vizinho da frente, que sempre esnobou os dois lá de casa quando passava pela rua, pensou até em se tornar amigo do Bolinha e do Guma, a quem sempre, quando ele podia, os agredia, mas é claro, com uma maldosa segunda intenção, a de atrair o amor da jovem Melina. Guma e Bolinha se mantinham na sua, e foi ai que tudo aconteceu. Foi assim o triste fim do Guma - Pobre do Guma, morreu por se meter com a fêmea do chefe da matilha.


Não sei não, mas acho que Melina em um determinado momento, passeando pelos caminhos sinuosos do mato, jogou seu charme para cima do Guma, o que despertou nele uma esperança de passar o Bolinha pra trás, como tantas outras vezes o fez. Só que desta vez era ao contrário, ele não queria que o Bolinha fosse como foi para cima dos ouriços, e que devido a enorme quantidade de espinhos, 63 ao todo, uns pela boca, outros nas patas, o que culminou com uma internação do Bolinha no Hospital Veterinário.

Não, isso não, não era isso que ele queria, ele queria isso sim, aquela belezinha para ele, só para ele, como o homem quer a bela loira da praia, pois a Melina é como as mulheres, tem um pelo dourado assim como a loira que brônzea a pele deixando-a dourada para o encanto dos homens. Pobre Guma não sabia que na disputa do amor as coisas são diferentes e também o Bolinha não queira deixar por menos, a Melina era dele. A Melina foi trazida pelo Zé Roberto para ser sua companheira, ser a mãe de seus filhos em um acasalamento romântico como o que aconteceu em uma noite de lua cheia.


Coisas do amor. Pobre do Guma não sabendo quase nada desta matéria foi enfrentar o Bolinha. Este com toda sua força e poder o atacou. Rolaram entre pedras. Pescoço preso entre seus afiados dentes. Bolinha mordia na cabeça do Guma, mordia nas pernas, no corpo inteiro, até que o Guma se deu por derrotado. O sangue escorria pelo corpo e por onde ele passava deixava marcas avermelhadas pelo chão. Guma foi preso no canil para que não mais viesse atrapalhar o amor de Bolinha e Melina. 


Que remorso!


Fiquei com remorso por não ter dado à vítima uma assistência mais imediata, pois não dei a devida importância ao fato, já que ele foi sempre o mais rude, o mais crioulo, o mais pele grossa como se diz no interior. 


O pobrezinho quando foi buscado pelo veterinário, já estava condenado a morte. 


Pedi e implorei ao veterinário que fizesse de tudo para salvar a vida do Guma. Prometi acender uma vela ao Negrinho dos Pastoreio, que assim como o Guma era preto e foi mal tratado na infância. Prometi aos altos que conseguiria a ele uma cadelinha, loirinha também, se era esse seu desejo. Mas... o que fazer?.... Este foi o seu destino, não conseguiu chegar a ocupar o posto de chefe da matilha como sempre sonhou, pois tinha quase que certeza que o Bolinha morreria bem antes que ele e ai sim, tudo seria diferente.

Pobre do Guma morreu pelo amor de uma cadelinha loirinha como a bela da praia de Pinhal, deixando seu irmão Bolinha numa depressão tal, que foi obrigado a recorrer ao atendimento psicológico do veterinário que sempre lhe cuidou, para poder assim, manter um bom relacionamento com Melina, que hoje espera filhotes dele. Sucesso ao Novo Casal.

7 comentários:

  1. É uma história triste com certeza...
    A ciência nos ensina que os animais são guiados pelo instinto, mas sabemos por experiência, que eles tem sentimentos. Se deprimem e apresentam febre, pela simples ausência do dono, ou como neste caso, do cão companheiro.

    Lembro de uma música dos Serranos, que fala sobre isso, chamada "Poncho Molhado":

    “A tropa segue devagar mugindo tonta
    Talvez pressinta que seu fim é o matadouro
    E o tropeiro entristecido se dá conta

    O boi é bicho mas tem alma sob o couro...”.

    Um clássico campeiro!

    Abraço, Anderson Piovezan.

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  2. Piovezan, você sempre muito atento e cultivando na alma o sentimento do gaúcho. Realmente no campo, uma das coisas mais triste é o abate de uma rês, na presença da tropa. Eles choram literalmente, correm de um lado para o outro, como se estivem fazendo uma oferenda ao Deuses pela perda do companheiro.
    Obrigado pelo comentário
    Dirceo

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  3. Day, a muito tempo estou sensível a histórias de "perdas".
    Numa delas recebi a seguinte mensagem, não sei de quem diretamente nesta vida terrena, mas dos "ceus" com certeza!

    "Quando nós amamos o nosso animal e dedicamos a ele sentimentos sinceros, ao partir, os espiritos o trazem de volta para que não sintamos sua falta." Chico Xavier.

    O Romeu está aqui, com muitas caracteristicas do Tobinho.

    E... quem sabe não seremos surpreendidos com um lindo filhotinho preto, dessa loura sedutora. E para o bolinha ... não esquecer que os amores vão, mas os irmãos são para sempre.
    bjos.

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  4. Dirceo

    Uma linda estória de amor e morte... Uma estória trágica.Apenas uma pessoa com grande conhecimento do amor e da alma poderia ter escrito com tanta sensibilidade o sofrimento destes seres que são puro afeto.
    Fiquei muito tocada, pois sou fã dos animais.
    Desejo melhoras ao Bolinha...

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Dirceuzinho, quantos Gumas e Bolinhas existem na vida real, sofrendo, calados sem ter a quem recorrer. Grande história Dirceuzinho, só podia esperar isto de uma pessoa inteligente e especial como tu. Beijos e abraços do Hamiltinho.

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  7. Amigo Dirceo...

    Vc já pensou em escrever um livro de crônicas?
    Excelente a Estória do Cãozinho Guma....
    Parabéns!
    Forte Abraço

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