Fiorello, um dia desses
Seu Euzébio saiu de casa às nove horas da noite de uma sexta-feira, ninguém ficou sabendo para aonde ele foi. Ninguém tinha notícias de qual foi seu último lupanar e se mesmo assim aconteceu. Ninguém viu, na pequena cidade no centro do Estado, o homem que ao caminhar puxava de uma perna e que carregava em sua frente uma candeia.
A segunda-feira amanheceu marrenta, sem chuva, mas o beco estava escuro e frio, ainda com o solo molhado pelo sereno. Um ar envelhecido, difícil de respirar como que endurecido em sua quietude.
Passos pausados e lentos ressoavam como se fossem na noite que estava terminando, assim como terminou o óleo da candeia do Seu Euzébio. Na ladeira da viela Fernando Ferrari, uma das ruas principais no povoado que reunia, bailantas, botecos e o prostíbulo conhecido por Casa da Dona Eny, que tinha pista de dança, luz negra, mulheres sem nome próprio e tudo o mais, lá os homens do lugarejo buscavam a prática sexual pecaminosa no prazer barato, em troca de um trago de pinga e de algumas baganas qualquer. Seu Euzébio gostava do ambiente.
O homem com barba por fazer, ainda malcheiroso pela mistura de suor e álcool ingerido, que, pelas características descritas pela desolada Maria Aparecida, só podia ser o Seu Euzébio. Ele tinha perdido a gola do casaco e, se retirou involuntariamente do lugar em que estava, que com certeza não era na igreja que ficava em frente à praça. (Todas as igrejas no interior do Estado ficam na praça. Todas têm uma torre que se assemelha a um dedo que aponta para cima, como uma representação simbólica do dedo do Deus dos católicos)
Fiorello, um homem elegante. O Alfaiate (com letras maiuscula) era madrugador. Levantava cedo, fazia o chimarrão, vestia o terno e colocava a gravata com um nó ao estilo francês que aprendeu a fazer com um cantor de teatro, que, por sua vez, dizia ser o nó preferido dos frequentadores do “Moulin Rouge”. Manhã atípica. Entra em cena Seu Euzébio esbaforido, suplicando uma solução para a gola do casaco que ele perdeu e não podia chegar em casa naquele estado deprimente. A morada do Seu Euzébio era a única, e ficava perto da olaria na Vila do Barro Vermelho. Lá que ele morava com Maria Aparecida.
Escrever é uma tentativa de compreender a vida. Para Arthur Schopenhauer seria o fruto, não da quantidade de leitura, mas da capacidade de perceber as coisas com a clareza da alma e, ao mesmo, tempo dialogar com os outros por prazer. É o gozo pela felicidade, mas escrever sobre lembranças e histórias que personagens do passado montam seu pensar é lembrar da alfaiataria do seu Fiorello, parado atrás do alto balcão com a fita métrica no pescoço. É lembrar da máquina de costura com pedal, que para ele era quase que como um automóvel, coisa que ele nunca teve.
Quando Fiorello estava sorvendo o chimarrão e alguém perguntava a ele pelo Seu Euzébio, responderia: Seu Euzébio nunca existiu, nem ele e nem Maria Aparecida. Seu Euzébio é um sonho, é algo do nosso inconsciente, assim como um desejo oculto castrado e vetado pela moral em nossas faculdades mentais.
Fiorelo Stona aos 75 anos em São Sepé-RS Créditos da foto: Vera Lúcia Stona |